O Big Brother Brasil é um reality show que está no imaginário de boa parte dos brasileiros há muito tempo. Produzido pela Rede Globo, são, mais precisamente, 20 anos que termos como paredão, estalecas, anjo e monstro já são velhos conhecidos do público. Com o passar das temporadas, houveram muitas tentativas de reacender a chama do programa, que naturalmente foi se enfraquecendo com seu script repetitivo e figuras caricatas. Em 2020, Boninho, produtor do reality, chegou com uma novidade que, de cara, parecia que não ia pegar bem: convidar personalidades já famosas para ingressar no programa. Ora, parecia óbvio até então que essas pessoas estariam anos luz à frente dos já conhecidos inscritos. No entanto, a produção estava disposta a arriscar sua credibilidade, afinal, o marco da vigésima edição trazia a sensação quase de ultimato: ou vai ou racha.

Depois de três meses de sucesso absoluto e até recorde mundial – com direito a entrar para o Guiness Book e tudo – com mais de 1 bilhão e meio de votos válidos na oitava rodada do jogo, já podemos dizer que o BBB 20 fez seu nome e deixou grandes efeitos na produção de conteúdo digital e no consumo cross channel – garantindo a final com maior audiência no ao vivo desde 2010 e uma verdadeira comoção nas redes sociais. No entanto, a pergunta que fica é: foi o conteúdo da TV que aqueceu as discussões no Twitter e Instagram ou foram os desdobramentos da timeline que estimularam a audiência do ao vivo?

O grupo camarote

Dos 18 selecionados para entrar na casa, 9 eram figuras já teoricamente conhecidas: uma cantora de sertanejo apagadinha, um ator esquecido pela própria emissora, uma ex-panicat namorada de um ex-bbb, um ginasta que nunca esteve nas Olimpíadas, um youtuber de mágica e hipnose que perdeu o nascimento de seu primeiro filho para entrar no programa, uma blogueira/empresária de maquiagem com o currículo abastecido de polêmicas na internet, uma outra missionária/neocolonialista/pastora, um surfista big rider e uma atriz/cantora que cresceu com seus fãs sob os holofotes e a tragédia de ser uma garota de capa da revista Capricho. Naturalmente, a mistura de cenários e pautas levantadas por cada uma dessas personas foram elementos de notoriedade responsáveis por levar uma audiência ainda maior para a TV nesta edição do programa. Estando todos ativos digitalmente e com seus seguidores bem definidos, eles puderam se preparar e atuar previamente na manutenção de suas redes sociais fora da casa, o que é, sem dúvida, um dos principais fatores para entender o fenômeno do BBB 20. No entanto, não é esse o foco do texto. Até porque, se você é ativo online ou um profissional de marketing digital, com certeza já foi impactado por diversos conteúdos sobre como Manu Gavassi conseguiu construir sua imagem de fada sensata ao deixar vídeos e posts sincronizados com looks excêntricos usados dentro da casa, além de se apropriar do discurso feminista lacrador.

Inclusive, como tem sido nos fóruns abertos deste país internet, muitas pautas morais foram levantadas na edição além do feminismo: discussões sobre machismo e racismo, que foram responsáveis por polarizar opiniões e ditar os rumos até a final do programa, a dicotomia humanização versus cancelamento dos influencers, as dinâmicas da produção de conteúdo digital e o esforço neocolonialista branco disfarçado de expedição humanitária em África. Quando se trata de reality show, a verdade é que todo mundo quer defender o seu preferido e dar uma opinião – seja em textão, seja através de uma thread hittada – sobre as dinâmicas sociais e os desdobramentos que escorrem de dentro para fora do confinamento. Na edição em que a própria proposta era expor famosos e suas caras para bater, jamais seria diferente. O conteúdo da TV aberta não apenas extrapolou sua audiência para a plataforma proprietária de streaming, levando milhões de pessoas completamente viciadas e com sede de treta a assistirem as câmeras 24h por dia na Globo Play e através do Pay Per View, como ainda mobilizou outros famosos que, de repente, se tornaram fanáticos torcedores e defensores também, seja de seus amigos, como de antigos anônimos que os cativaram no decorrer do programa.

Justamente por causa das recomendações de isolamento social, estavam todos sedentos por algum tipo de conteúdo que rendesse boas análises, lacrações, brigas ou só algo para se ocupar mesmo. Um exemplo interessante foi, sem dúvida, o mundo do futebol. O maior representante do Brasil em nível internacional, o menino Ney, declarou abertamente seu apoio ao participante do grupo dos anônimos, Felipe Prior. Gabigol, atacante do Flamengo, demonstrou sua torcida para Babu e fez até a dancinha do ator em um dos últimos jogos antes da quarentena. Com esses dois na liderança, os boleiros e seus fiéis seguidores utilizaram as redes sociais para participar ativamente da vigésima edição do BBB, fazendo o que fazem de melhor: apoio cego e passional à assuntos que causam uma polarização imensurável. Ou seja, o conteúdo da TV durante o programa não apenas ultrapassou as bordas do ao vivo, como ainda convocou audiências distantes para comungar com os velhos nativos digitais das trivialidades.

O grupo pipoca

Além dos 9 famosos escolhidos a dedo pelo programa, outros 9 corajosos decidiram se inscrever efetivamente: mandaram seus vídeos e foram selecionados pela produção da Globo. Os elementos masculinos do lado de cá mais pareciam ter saído de um desses realities americanos da MTV, que ficam contemplando seus corpos repletos de músculos através do espelho e levantando verbalmente seus atributos pessoais. De cara deu para perceber que o que iria dar ritmo à temporada era justamente o enfrentamento entre homens e mulheres, dado momento em que a narrativa central do programa foi posta, já na segunda semana. O feminismo, como tem sido desde meados de 2014, quando o termo aumentou cerca de 86,7% no Brasil até o início do quarto trimestre do ano seguinte (dados da Agência Brasil), vem sendo uma das principais pautas sociais nos imbricamentos online. O racismo vem logo em seguida, convocando seus militantes emocionados, os textões dos pensadores teóricos pouco acessíveis, os opinadores de plantão e, é claro, os racistas que descredibilizam todos os anteriores.

O BBB 20 teve cada uma dessas figuras representadas dentro da casa, o que tencionou, inicialmente, os participantes do grupo anônimo contra os famosos. Eles acabaram se preocupando demais com a suposta vantagem da fama e da falsa sensação da impossibilidade do cancelamento virtual, e esqueceram de vigiar suas próprias atitudes e falas, dinâmica essa que coroou uma anônima milionária. No entanto, tudo isso jamais passaria batido pelos olhares minuciosos e julgadores da internet, que estava a postos para criar perfis que levavam ao ar cenas inteiras que nunca foram para o ao vivo.

Nesta edição, houve ainda um fenômeno interessante que ditou discussões acaloradas durante os paredões e foi responsável por campanhas gigantescas de mutirão de votos: os administradores dos perfis dos confinados. Extremamente ativos no online, eles fizeram alianças, criaram desavenças e se posicionaram, ora contra, ora a favor, do grande público. Se fizeram presentes em polêmicas generalizadas, chegando ao ponto de divergir das tomadas de decisão do próprio dono do perfil dentro da casa. Ou seja, não apenas os desdobramentos da timeline estimularam a audiência ao vivo, como ainda influenciaram no resultado de paredões decisivos para o andamento do programa.

Compartilhar, comentar e reagir sempre em tempo real, caçar o passado dos brothers, criar memes e fanfics: tudo isso só seria possível nas redes sociais, e o BBB 20 não apenas foi o responsável por reaquecer seus motores em tempos de pandemia, como ainda serviu de estímulo para o ao vivo, trazendo pautas para o programa, levantadas diariamente através do Twitter e do Instagram. Ambientes que, inclusive, produtor e apresentador também são ativos.

No final das contas, foi possível perceber que a produção apostou em uma nova fórmula para o triângulo do fogo do Big Brother. O sucesso, aqui representado pelo “fogo no parquinho”, seria resultado da mistura de três elementos básicos: o formato do programa (oxigênio) + as redes sociais (combustível) + os famosos (calor). O resultado superou as expectativas, uma vez que novos elementos foram surgindo e transformaram a chama inicial em um incêndio sem precedentes. Ao convocar audiências especializadas em temas diversos, esse velho conhecido da TV brasileira trabalhou muito bem sua dualidade ao discutir os ~ismos~ – pautas importantes que nunca devem ser deixadas de lado – sem esquecer de comungar algumas superficialidades também (e tá tudo bem).

Foi uma experiência e tanto.

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